Acesso Funcionarios

Notícia postada dia 15/04/2016

Notícia postada dia 15/04/2016

Nota de repúdio ao Projeto de Lei Municipal de Teresina Nº 20/2016 da vereadora Cida Santiago

Nota de repúdio ao Projeto de Lei Municipal de Teresina Nº 20/2016 da vereadora Cida Santiago

Lutar diariamente contra as manifestações de intolerância, ódio, machismo, é uma tarefa bem difícil, ainda mais quando todas essas estão estampadas nas mentes e corpos com marcas cruéis de violência. Somente em 2015, a cada 27 horas foi registrado um crime de ódio contra a população LGBT no Brasil (fonte: Grupo Gay da Bahia). Os números incluem também pessoas que foram confundidas com gays, e pessoas que tem relacionamento com travestis. Em termos regionais, o Nordeste lidera a lista de óbitos, com 106 registros.

 

Em relação as mulheres, a violência segue vitimando reiteradamente, conforme os atendimentos realizados pela Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR): 38,72% das mulheres em situação de violência sofrem agressões diariamente; para 33,86%, a agressão é semanal; nos dez primeiros meses de 2015, 85,85% corresponderam a situações de violência doméstica e familiar contra as mulheres. Em 67,36% dos relatos, as violências foram cometidas por homens com quem as vítimas tinham ou já tiveram algum vínculo afetivo: companheiros, cônjuges, namorados ou amantes, ex-companheiros, ex-cônjuges, ex-namorados ou ex-amantes das vítimas. Já em cerca de 27% dos casos, o agressor era um familiar, amigo, vizinho ou conhecido. Os atendimentos registrados pelo Ligue 180 revelaram que 77,83% das vítimas possuem filhos (as) e que 80,42% desses (as) filhos(as) presenciaram ou sofreram a violência juntamente com as mães. Para as mulheres negras, o cenário é ainda mais preocupante. Segundo o mapa da violência de 2015 - homicídio de mulheres no Brasil, o assassinato de mulheres negras entre 2003 e 2015 aumentou 54,2%, corroborando  com o dado de que, a cada 1h30 uma mulher negra é morta no Brasil, conforme o IPEA.

 

Ainda que imersa nessa realidade, a Câmara Municipal de Teresina aprovou por quase unanimidade de votos, projeto de lei da autoria da vereadora Cida Santiago (PHS) e subscrito por Ananias Carvalho (PDT), Antônio Aguiar (PROS), Celene Fernandes (SDD), Joninha(PSDB), Pastor Levino (PRB), Ricardo Brandeira (PSL), Teresa Britto (PV) e Tiago Vasconcelos (PRB), onde determina que fica proibida a distribuição, utilização, exposição, apresentação, recomendação, indicação e divulgação de livros, publicações, projetos, palestras, folders, cartazes, filmes, vídeos, faixas ou qualquer tipo de material, lúdico, didático ou paradidático, físico ou digital contendo manifestação da ideologia de gênero nos estabelecimentos de ensino público municipal da cidade de Teresina. Na justificativa apresentada, os autores relatam que "a educação moral, principalmente a moral sexual, é de competência exclusiva da família e não do Estado. Os pais têm direito de conduzir a educação dos filhos. Depois que eles crescerem, podem fazer suas escolhas com consciência e responsabilidade".

 

Na verdade, a crítica e o enfretamento travado por esses setores conservadores e fundamentalistas que têm denunciado a tal “ideologia de gênero” é um temor quanto a “destruição da família”, os “valores e morais” alicerçados na “lei natural” e, evidentemente, o avanço das pautas LGBT, dentre as quais a diversidade sexual, a criminalização da homofobia e o progresso em torno da despatologização do segmento trans* – pontos, na verdade, que transcendem a escola.  O obscurantismo tem sido defendido à luz do dia, e as imagens que vemos de pessoas empunhando cartazes contra a ideologia de gênero, bem como a manifestação de parlamentares absolutamente descomprometidos com a igualdade, a tolerância, o respeito às diferenças é de causar espanto.

 

Ignora-se que a igualdade de gênero é tão legítima, necessária e importante quanto à igualdade racial ou regional. Trata-se, pois, de discutir a sub-representação política das mulheres, as desigualdades no mercado de trabalho, a assustadora violência nas ruas e domicílios, a objetificação sexual na mídia, entre outras. Acima de tudo, a igualdade de gênero deve ser um valor democrático, tão legítimo quanto à liberdade religiosa que, diga-se passagem, nunca foi posta em xeque por nenhum setor progressista neste país. Até porque os mesmos grupos que defendem a igualdade de gênero são aqueles que apoiam o Estado laico – a instituição mais democrática no tocante à liberdade religiosa em uma nação multicultural.

 

Visto isso, é totalmente perceptível no projeto de lei, elementos que o tornam indefensável do ponto de vista de defesa dos direitos humanos, bem como dos direitos constitucionalmente garantidos. O descabido Projeto de Lei não resiste ao mais ligeiro filtro constitucional, visto que afronta os Princípios Básicos, Direitos e Garantias Fundamentais, como, a Cidadania, a Dignidade da Pessoa Humana, a Promoção do bem comum sem qualquer forma de discriminação, a liberdade, a igualdade e a livre manifestação do pensamento e da expressão intelectual e científica, todos de imediata aplicabilidade e expressamente insculpidos na Carta Magna, o que, por si só, macula e inviabiliza a pretensa lei de compor o ordenamento jurídico pátrio.

 

A Constituição Federal é clara ao prever em seu artigo 205 que a educação deve ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, com vistas ao pleno desenvolvimento do indivíduo, preparando-o para exercer a cidadania e o trabalho, não se sustentando as alegações que fundamentaram a propositura do projeto de lei de que temas relacionados à sexualidade se restrinjam ao âmbito familiar.

 

A educação, portanto, tem o dever de preparar os sujeitos para o melhor convívio social, o que significa formar cidadãos conscientes de seu dever de respeito à pluralidade e diversidade, que inclui as mais variadas formas de pensamentos e comportamentos, inclusive os baseados nas expressões da sexualidade e gênero.

 

O artigo 206 da Constituição, por sua vez, estabelece os princípios que devem basear o ensino, dentre eles, a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber e o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas.

 

O referido Projeto de Lei, ao pretender proibir na rede pública de ensino do município de Teresina a distribuição, exposição e divulgação de material didático com informações sobre “orientação ou opção sexual, igualdade e desigualdade de gênero, direitos sexuais e reprodutivos, sexualidade polimórfica, desconstrução da família e do casamento” ou quaisquer “manifestações” do que o texto chama de “ideologia de gênero”, fere frontalmente todos os dispositivos constitucionais supracitados, vez que impede o ensino formal de aplicar os seus mais basilares princípios.

 

O Projeto não traduz, assim, qualquer respeito à variedade de pensamentos e à diversidade de modos de vida que pulsam em nossa sociedade, revelando-se mais como meio de defesa dos interesses de uma bancada conservadora do que como forma de representatividade de uma sociedade plural.

 

Trata-se, portanto, de Projeto de Lei visivelmente eivado de forte inconstitucionalidade material, merecendo, além do rechaço público, o veto pelo chefe do Executivo, em observância ao devido cumprimento da ordem constitucional vigente.

 

 

Mesmo que a família seja um espaço importante e privilegiado para diversas conversas, inclusive sobre sexualidade, é no ambiente escolar que os jovens mais socializam essas discussões, seja no grupo de amigos ou mesmo na sala de aula. Nessa perspectiva, a escola tem um papel importante na formação educacional desse sujeito, por ter a responsabilidade de conduzir essas temáticas a partir de uma metodologia inclusiva que reflita e acolha as demandas que tanto surgem nessa fase da vida. Não existe aqui um duelo de qual espaço é o mais apropriado para se discutir determinado assunto. Mas sim de como essa mutualidade é importante na garantia do desenvolvimento saudável das subjetividades de cada sujeito.

 

 

Todos nós sabemos que a desinformação é a porta para diversas dificuldades, desvios ou problemas que os jovens enfrentam hoje. Segundo os dados do Fundo da População das Nações Unidas (UNFPA Brasil) de 2012, 1 a cada 10 mulheres de 15 a 19 anos já teve pelo menos 1 filho. Aproximadamente, 20% de crianças nascidas vivas no país em 2010 são filhos de mulheres com menos de 19 anos (http://wwufjfbr/…/10/31/gravidez-na-adolescencia-no-br). Dados do Ministério da Saúde, publicados em 2013, evidenciaram que entre os jovens de 17 a 20 anos houve maior prevalência da infecção pelo HIV. Quanto menos a escolaridade do jovem, maior o percentual dos infectados (http://wwwaidsgovbr/pagina/aids-no-brasil). Censurar a discussão de gênero e sexualidade nas escolas é alargar, ainda mais, dados problemáticos como esses apresentados.

 

Considerado o já exposto, não é sustentável que um projeto de lei com esses dispositivos continue a avançar. Dentro da própria igreja católica, como pode ser observado pelas últimas declarações do Papa Francisco, a orientação que se tem é pelo respeito as diferenças e o acolhimento destas sem nenhum julgamento. Não é admissível que percebendo a realidade brasileira e local das mulheres, da população LGBT, que os setores religiosos presentes na Câmara Municipal de Teresina destoem de tal forma, que apontem dentro do campo político, uma direção totalmente contrária àquilo que vem se construindo nos diversos segmentos da sociedade, inclusive na igreja.

 

Por todo exposto, nós que compomos a Ciranda de Juristas Populares, coletivo que congrega advogados e advogadas populares, professoras e professores universitários, estudantes de direito, funcionárias e funcionários públicos que atuam no âmbito do sistema de justiça, entendemos que o momento é de mobilização permanente por mais nenhum retrocesso nos direitos conquistados às mulheres e a população LGBT. A conjuntura atual de violência sofrida aponta que o caminho a ser trilhado é a luta por mais direitos, bem como um processo educativo que contribua para uma formação apartada de preconceito, ódio e intolerância.

 

Repudiamos de forma veemente a condução antidemocrática que esse debate vem tendo no âmbito do legislativo teresinense, com ofensivas permanentes a direitos constitucionalmente garantidos, exigindo às autoridades que se abstenham, a partir dos seus mandatos representativos, de facilitar as condições ideais para o aumento das estatísticas aqui apresentadas.

 

Teresina, 11 de abril de 2016.

 

ARTICULAÇÃO (CIRANDA) DE JURISTAS POPULARES DO PIAUÍ

 

1.Moema Rocha Pires de Oliveira, Analista Processual MPE PI.

2. Gustavo Ferreira Amorim, Advogado OAB PI 3512.

3. Mariana Cavalcante Moura, Advogada OAB PI 6806.

4. Jefferson Snard Soares Santana, Advogado OAB PI 12367.

5. Igo Castelo Branco de Sampaio, Defensor Público, titular da 1º Defensoria de Direitos Humanos e Tutela Coletiva do Piaui.

6. Luana Elainy Rocha Magalhães, Advogada OAB PI 8784.

7. Márcio Giorgi Carcará Rocha, Promotor de Justiça da Comarca de Barro Duro-PI.

8. Janderson Wellington Sousa Clemente, Bacharel em direito.

9. Marcelo Raimundo de Sousa Filho, Estudante de Direito e Funcionário Público.

10. Andreia Marreiro Barbosa, professora da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e da Faculdade Adelmar Rosado (FAR).

11. Lorena Cavalcante Lopes, Bacharela em Direito.

12. Lucas Araújo Pereira, Estudante de Direito.

13. Marcus Vinícius Carvalho da Silva Sousa, Advogado OAB PI 12893.

14. Nara Karoline de Andrade Rodrigues, Advogada OAB PI 9752.

15. Maria da Conceição Lima Teixeira, Bacharela em Direito.

16. Malú Flávia Pôrto Amorim, Advogada OAB 9474.

17. Heiza Maria Dias de Sousa Pinho Aguiar, Advogada OAB PI 10326.

18. Geysa Victória Costa Silva, Advogada OAB PI 9033

19. Maria Sueli Rodrigues de Sousa, Advogada e professora da Universidade Federal do Piauí (UFPI).

20. Luana Cunha Figueiredo, Bacharela em Direito.

21. Raíza Feitosa Gomes, Advogada OAB PI 13030.



 

Acessem nossas...

Redes Sociais !

TRANSMISSÃO ONLINE

TRANSMISSÃO ONLINE