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Notícia postada dia 23/05/2013

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A crise econômica reforça a necessidade e a relevância dos direitos sociais

A crise econômica reforça a necessidade e a relevância dos direitos sociais

O jurista, juiz trabalhista e professor da USP Jorge Souto Maior fala sobre a importância da CLT, que completa 70 anos, em um cenário de crise econômica
 

Para refletir sobre os 70 anos da CLT, o Jornal do Judiciário entrevistou o jurista, juiz trabalhista e professor da faculdade de Direito da USP, Jorge Souto Maior. Para ele, crise econômica reforça a necessidade e a relevância dos direitos sociais e da legislação trabalhista, pois são “instrumentos jurídicos de crise econômica, isto é, tiveram a sua pertinência consagrada e reconhecida exatamente nos momentos de maior crise do capitalismo”.
 

A ideia da entrevista surgiu das reflexões sobre os 70 anos da Consolidação das Leis Trabalhista (CLT) propostas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que defende a sua flexibilização.
 

Na entrevista, realizada por e-mail, Souto não fala apenas da atualidade da CLT e do seu papel como “como instrumento de elevação da condição humana dos trabalhadores”, mas também aborda o significado do Acordo Coletivo Especial e faz uma reflexão acerca da política de conciliação, tão presente nos tribunais trabalhistas nos dias atuais.
 

Jornal do Judiciário - A Confederação Nacional da Indústria (CNI) aproveitou o 1° de Maio para pedir uma reflexão sobre a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). No site da entidade há um texto que explica quão “onerosa” é para um empresário a formalização de um trabalhador num cenário de economia globalizada. Como o senhor vê a atualidade da CLT?
 
Souto Maior - A CLT, na qualidade de instrumento originário da legislação trabalhista, não existe. A ideia de que a CLT foi a propulsora da legislação do trabalho no Brasil é uma ficção criada pela propaganda política de Getúlio Vargas, pois leis do trabalho já existiam em grande número antes de 1943 e mesmo antes de 1930. Não é irrelevante a atuação de Vargas, por certo, mas dizer que tudo se originou em 1930 é um grave erro histórico e mais ainda quando se tenta fazer crer que a origem de tudo foi a CLT. O problema é que posteriormente os opositores de Getúlio e da legislação trabalhista, oposição que, ademais, já havia desde os tempos em que se pretendeu acabar com a escravidão no Brasil, aproveitaram-se da própria propaganda getulista para vincular a legislação do trabalho à figura do ditador, que, segundo acusam, flertou com o fascismo. Assim, passou a ser um ataque corriqueiro, mesmo sem qualquer correspondência histórica, dizer que a legislação trabalhista no Brasil tem origem fascista, tendo sido criada por Getúlio em 1943, quando vigente o Estado Novo.
 

A legislação trabalhista, no entanto, antecede a Vargas e ao longo do tempo foi construída pelas mãos de muitos governos, principalmente dos opositores de Getúlio, não tendo sido, ademais, irrelevante a luta dos trabalhadores pela conquista de direitos.
 

A visão política e ideológica que pende sobre a CLT, impede que se compreenda, ou mesmo que se tente compreender a importância da legislação trabalhista para o modelo de produção capitalista e o ataque quase sempre se complementa com a acusação do custo que os direitos trabalhistas representam para o empregador, custos estes que dificultam o sucesso econômico das empresas e causam prejuízos ao próprio trabalhador. Essa questão do custo esteve presente nos ataques à legislação do trabalho desde que as primeiras experiências legislativas no Brasil, ainda na Primeira República.
 

A legislação trabalhista, de fato, custe o que custar, apresenta-se como essencial à preservação do próprio modelo de produção capitalista, atuando como instrumento de elevação da condição humana dos trabalhadores no contexto de um projeto mínimo de construção de justiça social.


Fora disso, sem a construção e o desenvolvimento de uma racionalidade efetivamente voltada à superação do capitalismo, é apenas barbárie, que alimenta a violência cotidiana, cada vez mais à mostra, vale notar.
 

JJ - Partiu do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC a proposta de Acordo Coletivo Especial (ACE), que, se transformada em lei, permitirá a prevalência do negociado sobre o legislado. Caso tal proposta se torne lei, quais seriam as primeiras consequências para o conjunto dos trabalhadores?
 

SM - A primeira consequência seria exacerbar a concorrência entre os próprios trabalhadores, das diversas regiões do país, para atrair empresas sob o argumento da redução do custo do trabalho, promovendo o fenômeno de maior desajuste do modo de produção capitalista que é o “dumping social” numa perspectiva interna.
 

JJ - Ainda nesta hipótese, quais seriam os seus reflexos para a Justiça Trabalhista?
 

SM - Bom, para a Justiça do Trabalho caberá a tarefa de preservar a racionalidade principiológica do Direito do Trabalho, que constitui, ademais, a sua própria razão de ser, gerando, por consequência, a negação de qualquer desconsideração dos direitos trabalhistas pela via negocial, lembrando-se que do ponto de vista da teoria geral do Direito do Trabalho as normas legais constituem a base mínima de proteção dos trabalhadores, cabendo aos sindicatos, pela via negocial, em correspondência ao princípio da melhoria da condição social e econômica dos trabalhadores, ampliar o leque dessa proteção e não atuar em sentido contrário, sob a suposição de que o elevado custo dos direitos gera o desemprego, pois se essa proposição estivesse correta o Direito do Trabalho simplesmente não teria existido e o próprio modelo capitalista de produção não teria se estabilizado na segunda metade do século XX. Ao se questionar a viabilidade econômica da efetiva ção desses direitos, na verdade, não se põe em xeque a pertinência dos direitos trabalhistas, mas a própria sobrevivência do modelo de sociedade capitalista, pois uma sociedade que não é capaz de assegurar direitos fundamentais aos seus cidadãos e, em especial, aos trabalhadores, cuja atividade constitui a única fonte autêntica da riqueza produzida, deve ser reformulada na essência.

 
JJ - Desde a criação do CNJ, o Poder Judiciário tem incorporado uma série de políticas de produtividade, tendo as metas como seu carro chefe. Entre essas políticas está a conciliação, que afeta diretamente a Justiça do Trabalho. Dada a desigualdade social no Brasil, a política de conciliação não acaba sendo um instrumento de flexibilização de direitos trabalhistas?
 

SM - A conciliação virou a solução de todos os males do Judiciário. Mas, os males do Judiciário, pensada a questão a partir do grande número de demandas que lhe são apresentadas, não são próprios do Judiciário. São, em verdade, reflexos do grande desajuste social e no que se refere, especificamente, às relações de trabalho, ao enorme desrespeito que se estabeleceu, culturalmente, frente à legislação trabalhista. Conciliar para eliminar processos representa uma forma de legitimar o desrespeito deliberado e reiterado da lei o que, reflexamente, volta-se contra o próprio interesse institucional, vez que essa política míope acaba sendo geradora de mais conflitos que vão desembocar no Judiciário.
 

Ao mesmo tempo, as metas, que representam a incorporação de um ideal capitalista, baseado em estratégias de produção, pensada sempre na perspectiva numérica, tende a suprimir o necessário cuidado com os valores humanos, seja do trabalhador, que leva sua angústia ao Judiciário, seja dos juízes e servidores, que passam a ser tratados, tal qual o operário reificado da produção fordista, como peças de uma engrenagem que, ademais, serve à produção de peças que são deslocadas de qualquer funcionalidade estrutural e estruturante.
 

JJ - Desde 2008, com a crise econômica, temos assistido direitos e garantias sociais serem reduzidos em países da Europa. Durante muitos anos, a Europa representou um “horizonte” a ser buscado no que toca os direitos sociais. O que muda neste cenário de crise econômica?
 

SM - Os direitos sociais europeus estão sob ataque, mas não estão em derrocada. Aliás, é a resistência popular quanto a essa derrocada que tem segurado um pouco a bancarrota do sistema, que é verificada, aliás, exatamente nos países em que os ataques à legislação trabalhista representaram efetivo retrocesso, como na Espanha, que desde o final dos anos 90 começou a “flexibilizar” os direitos dos trabalhadores.
 

É importante ter muito claro que a legislação trabalhista e a proteção social são instrumentos jurídicos de crise econômica, isto é, tiveram a sua pertinência consagrada e reconhecida exatamente nos momentos de maior crise do capitalismo.
 
 

Fonte: Luta Fenajufe Notícias



 

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